14.7.05

A chave do priorado

Mais um para a blogosfera.
Pelos vistos há quem use os blogs como uma espécie de diário pessoal. Porquê?

Quando eu era miúdo, o diário era algo sagrado, muito íntimo, confidencial, esotérico, feminino e, se calhar por tudo isso, muito desejado. Algo similar ao Santo Graal. Encontrar um diário de uma adolescente era algo tão apetecível e desejado como descobrir a chave do priorado. Era nessas páginas coloridas e com uma leve fragrância a rosas, que ficavam guardados muitos dos segredos e experiências de 15 anos de vida, que qualquer riso tímido escondia. A primeira festa do pijama, o primeiro beijo, a primeira menstruação, o primeiro namorado ou a última lágrima; não necessariamente por esta ordem. Por tudo isto, ler o diário de alguém tinha o mesmo efeito que a incisão do bisturi na epiderme (essa verdadeira cela que protege o nosso interior, no qual transitam sangue, electricidade e sonhos). Era o desventrar da pessoa.
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As temáticas eram variadas e perfeitamente distintas: a amizade, a paixão, o amor, a desilusão, a nostalgia, a saudade, o mundo madrasto e o silêncio. Para muitas destas teenagers, os diários eram a forma de expressarem a sua poesia e de exorcizarem muitas das suas angústias e estados de alma. À medida que os ingredientes iam refinando e apurando a iguaria, isto é, à medida que a conexão entre os cinco sentidos e a ortografia era aprimorada, a escrita ganhava contornos labirínticos, geralmente indecifráveis mesmo para a melhor amiga. O diário sempre foi e sempre será o objecto por excelência dos psicólogos e dos técnicos de grafologia, que, através da palavra e da escrita, conseguiam perceber a verdadeira essência dos desvios de personalidade destas miúdas.

Como os tempos mudaram...! Este diário que aqui falo tem os dias contados. Com o actual peso das novas tecnologias de comunicação, num mundo cada vez mais globalizado e estandardizado, as palavras perderam a sua verdadeira essência, significado e sentido. Parece um contra-senso, mas não; é a pura realidade. Acredito que qualquer sentimento já tenha o seu respectivo ícone animado criado. Hoje, é muito mais fácil usarmos a mão direita e, com a seta do rato alcançar o outro lado do mundo, do que usar a palavra e a seta do Cupido para conquistarmos a pessoa que mora aqui ao lado.

Enfim, já não chega a exposição que as nossas vidas estão sujeitas e nós ainda ajudamos á festa, aderindo á blogosfera. E eu cá estou, a seguir as modas. Já parto em desvantagem e com algum atraso, é verdade, mas sempre a tempo de me dar a conhecer a meio mundo. Sim, entendendo meio mundo como o conjunto de pessoas que:

1) sabe lêr a língua de Camões,
2) Utiliza a internet,
3) e tem curiosidade e interesse nestas banalidades que aqui escrevo.

Será que terei vontade e paciência para continuar a aparecer por aqui, autoestimulando-me com esta escrita labiríntica, ou fico-me já por aqui?

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